Sobre a emergência climática e ambiental no RS
Rualdo Menegat
Professor Titular do Departamento de Paleontologia e
Estratigrafia do Instituto de Geociências da UFRGS. Geólogo. Mestre em
Geociências (UFRGS). Doutor em Ciências na área de Ecologia de Paisagem (UFRGS)
Motivos que nos
levaram a esta catástrofe
|
RUALDO MENEGAT |
Devemos
reconhecer, em primeiro lugar, que não só há um apagão da
infraestrutura do
Estado do Rio Grande do Sul (RS) — que Leite
e Melo privatizaram e que agora
gerenciam de forma incompetente, estruturas como CEEE-Equatorial, Corsan, entre
outras. Sartori e Leite
desmontaram também a inteligência estratégica do Estado: Metroplan, FZB,
FEE, SEMA e CIENTEC.
Além disso
e muito importante: há um apagão da natureza para mitigar os efeitos de
eventos climáticos extremos, posto que a drenagem natural e os ciclos
hídricos foram destroçados pelas políticas de uso intensivo do solo:
* Flexibilizaram
leis para aumentar áreas de plantio de soja,
*
desmontaram planos diretores para ampliar a especulação imobiliária em zona
ribeirinhas,
* para implantar
minas de carvão e para favorecer a especulação imobiliária.
Sem
inteligência social e com a infraestrutura natural destroçada,
temos pela frente um longo caminho para adquirirmos condições de enfrentar a
emergência climática e ambiental que estamos atravessando. Temos que ter em
mente que isso é apenas um começo. Temos que agir estrategicamente se
quisermos encorajar a sociedade a enfrentar os tempos que estão aí e os que
advirão.
A Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) é uma instituição
fundamental para isso. É a inteligência estratégica que sobrou em um Estado
que está sendo desmontado peça por peça. Sem inteligência social, a sociedade
não só fica muito mais vulnerável frente aos impactos adversos dos tempos
severos, mas também fica refém da ação de forças externas, sobre as quais não
tem controle, como o Exército e empresas privadas.
Tudo conduz
para a ideia que nada podemos fazer enquanto sociedade, cada vez mais submetida
à inclemência da natureza e ao horror de políticas autocráticas e
ignorantes. A Universidade é a esperança possível para desenvolver uma
inteligência social que encoraje a sociedade a enfrentar a emergência
climática-ambiental do século XXI.
Fonte: Agir Azul Notícias – Sexta-feira, 03 de maio de 2024 –
Internet: clique aqui (Acesso em: 04/05/2024).
“Tragédia no RS é responsabilidade também de senadores e
deputados que desmontam legislação ambiental”
Letícia
Mori
Da BBC
News Brasil em São Paulo |
MARCIO ASTRINI: secretário-executivo do Observatório do Clima |
As fortes chuvas que atingem o Rio
Grande do Sul, as mais intensas registradas em território gaúcho em décadas, já
deixaram dezenas de mortos, causaram estragos em 300 municípios, romperam
uma barragem e desalojaram mais de 32 mil pessoas. Há ainda mais de 60
pessoas desaparecidas enquanto o mau tempo já provoca danos em outros Estados
do Sul.
Os governos federal e estadual
criaram uma força-tarefa e tentam evitar mais mortes promovendo evacuações e
retirando pessoas de áreas de risco.
Mas a responsabilidade não é apenas
dos governos estaduais e federal, diz Marcio Astrini,
secretário-executivo do Observatório do Clima (OC), mas também do
Congresso — pois as tragédias são resultado da falta de adaptação e de
combate às mudanças climáticas, duas áreas onde os Executivos precisam
fazer mais e onde o Legislativo têm promovido ativamente retrocessos, na
opinião dele.
“A maioria conservadora tem
aprovado diversos projetos considerados nocivos para o meio ambiente.
Nunca tivemos um Congresso tão dedicado a desmontar”, afirma o
especialista em políticas públicas à frente do Observatório do Clima, rede de
entidades que monitora a questão climática no Brasil.
Além disso, segundo Astrini, ações
que se limitam às respostas de emergência em situações de crise não são
suficientes. Eventos extremos como esse — cada vez mais comuns por causa
das mudanças climáticas — não podem mais ser tratados como “imprevistos”.
Embora nem sempre seja possível
prever com precisão a intensidade de um evento extremo, já sabemos que eles se
tornarão mais frequentes — e quais as medidas que precisam ser tomadas para nos
adaptarmos a eles, afirma o especialista.
Modelos climáticos preveem há décadas
um aumento de chuvas extremas no sul da América do Sul, incluindo toda a bacia do Prata
(formada pelos rios Paraná e Uruguai), lembra Astrini.
“O maior problema que a gente
enfrenta neste momento não é a previsão, é a aceitação”, afirma Astrini. “A gente precisa
aceitar que, infelizmente, esse é o novo normal. Mas não basta aceitar pacificamente,
é preciso aceitar e tomar atitudes.”
“Todo ano o governo do Rio Grande do
Sul fica extremamente espantado que as chuvas são intensas. O governo do Rio de
Janeiro fica super surpreso quando acontece em Petrópolis. É uma surpresa em
São Sebastião (SP), no norte de Minas Gerais, em Recife (PE), no sul da Bahia.
Só que acontece que já faz nove anos consecutivos que as médias de
temperatura do planeta são as mais quentes já registradas. Não tem mais
surpresa. A gente precisa se preparar para isso”, afirma Astrini. |
Barco encalhado devido à seca no Rio Amazonas |
Mitigação,
adaptação e redução de danos
Astrini explica que existem três
tipos de resposta possíveis diante da crise climática: a mitigação das causas, a adaptação em preparação para as consequências e a
redução de danos
diante das tragédias.
1º) “Mitigação
é quando você ataca o problema: é quando você interrompe o desmatamento,
quando você tira uma termoelétrica de operação, quando substitui uma fonte
poluente por uma fonte renovável”, afirma o especialista.
2º) “A adaptação
é quando o problema vai acontecer e você começa a adaptar principalmente as
populações mais vulneráveis ao problema. Por exemplo, quando tira as
populações da área de risco, quando dá mais assistência para um pequeno
agricultor lidar com uma seca.”
As ações também são necessárias
contra problemas que não necessariamente são causados pelo aquecimento global,
embora agravados por ele, explica Astrini.
“Adaptação é também quando você
reforça a rede de saúde, porque vão aumentar os casos de dengue, porque o
ciclo de reprodução do mosquito vai ficar mais longo por causa de chuvas
desproporcionais e do calor prolongado.”
3º) Já lidar
com as perdas e reduzir os danos é
promover as respostas emergenciais às tragédias.
“Perdas e danos é o que se faz
normalmente: desbarrancou, você vai procurar sobreviventes, vai construir
casas”, diz Astrini.
O problema, na visão do especialista, é
que as ações tomadas por autoridades federais, estaduais e municipais
tendem a se concentrar apenas nesse terceiro estágio de resposta.
“O pessoal só age quando já está
no nível da desgraça”, diz Astrini.
“O dinheiro investido na primeira
camada [mitigação] vale muito mais, porque ele evita a adaptação e
evita o desastre.”
Ações que estão sendo tomadas tanto
pelo governo federal quanto pelo governo estadual e pelos municípios no caso
das chuvas no Rio Grande do Sul — alertas da Defesa Civil, evacuação de pessoas
de áreas de emergência, restabelecimento de serviços etc. — se encaixam no
terceiro tipo.
Após a região ser atingida por um
ciclone em setembro do ano passado, o Ministério da Integração e do
Desenvolvimento Regional repassou R$ 82 milhões para o governo do Estado e
outros R$ 243 milhões aos municípios gaúchos para lidar com a crise. Segundo
reportagem da CNN Brasil, a maior parte do dinheiro foi usada em ações
emergenciais, como compra de mantimentos e desobstrução de estradas. |
Governador do Rio Grande do Sul - EDUARDO LEITE (PSDB) |
Os
governos precisam planejar e executar a mitigação
“A gente pode ter a Defesa Civil 30
vezes maior no Rio Grande do Sul ou em qualquer outro Estado. Vai continuar
morrendo gente, porque a Defesa Civil vai conseguir salvar a vida de alguém
próximo, mas não de todos. Quem salva mais vidas é o planejamento, e no
caso dos municípios, o planejamento urbano”, afirma o líder do
Observatório do Clima.
Embora o aquecimento global seja um
problema em escala mundial, ações de mitigação não são responsabilidade apenas
de entidades internacionais e governos nacionais. Elas podem — e precisam — ser
alvo também dos governos locais, diz Astrini.
“A mitigação é uma agenda de
responsabilidade, não de ganho político. Vou pegar um exemplo aqui no
Cerrado, que bateu o recorde de desmatamento nesse último período: mais de 60%
de aumento de agosto do ano passado para cá. E quem dá as autorizações de
desmatamento são os governos estaduais”, diz ele.
“E há vários outros exemplos, como legislações
de licenciamento ambiental mais frouxas nos Estados, a responsabilidade com
o saneamento básico, com a transição energética.”
O governo do Rio Grande do Sul não
respondeu ao pedido de informações sobre ações de mitigação e adaptação da BBC
News Brasil. O governador Eduardo Leite (PSDB)
tem dado atualizações diárias sobre as medidas emergenciais tomadas no Estado,
que incluem alertas e remoção das pessoas das áreas de risco. |
MEMBROS DA BANCADA RURALISTA da Câmara dos Deputados Federais. É bom saber que um quarto dessa bancada é composta por políticos do PL |
“Deputados
e senadores também são responsáveis”
Astrini diz ainda que é preciso
lembrar da responsabilidade do Congresso em relação à situação climática que
leva às tragédias como a sofrida pelo Rio Grande do Sul, neste momento.
“Deputados trabalham dia e noite para
destruir a legislação ambiental do Brasil com afinco. Neste momento, estão
querendo acabar com a Lei de Licenciamento Ambiental, querem acabar com
a reserva legal na Amazônia, querem acabar com as reservas indígenas”,
diz Astrini.
Ele se refere a um projeto de lei
(PL) que flexibiliza o licenciamento ambiental, permitindo que Estados e
Municípios determinem os projetos que precisam ou não fazer uma análise de
impacto, entre outras medidas.
Os defensores do PL argumentam que
ele “diminuirá a burocracia” e por isso facilitaria o desenvolvimento
econômico.
Mas Astrini diz que o projeto não
só não resolve o problema da burocracia como pode comprometer metas de
desenvolvimento sustentável.
“A gente nunca teve um Congresso tão
agressivo nesse esforço para desmontar a legislação ambiental no
Brasil”, afirma.
Deputados e senadores contrários a
pautas importantes para ambientalistas argumentam que a legislação ambiental
atrapalha o desenvolvimento econômico e, em alguns casos, negam dados
científicos sobre o aquecimento global ou sobre desmatamento no Brasil.
“Tem dois momentos em que o Congresso
ajuda o Brasil na área ambiental: no recesso do meio do ano e no recesso do
final”, diz Astrini.
Para Astrini, o governo federal vem
falhando na disputa com os deputados e senadores pelas pautas ambientais,
embora tenha um bom projeto para a área.
Ele cita, por exemplo, o fato de a
bancada governista ter sido liberada para votar em qualquer sentido (em vez de
receber a orientação para votar contra) o marco temporal para as terras
indígenas. |
MINISTRA MARINA SILVA do Meio Ambiente |
“A gente nunca teve um Ministério do
Meio Ambiente com tanto apoio no governo. É a primeira vez que um presidente
fala em desmatamento zero e tolerância zero para desmatadores. Você tem um
ministro da Economia que faz conversas sobre o meio ambiente, um Ministério dos
Povos Indígenas. Mas mesmo assim as coisas não estão andando como deveriam”,
afirma.
Além na tragédia no Sul, há outras
notícias negativas na área. O Norte registra número recorde de queimadas de
janeiro a maio deste enquanto a greve de servidores dos dois principais
órgãos de fiscalização ambiental do país —Ibama e ICMBio— já dura mais de 100
dias.
Para o especialista, não se trata
apenas de uma questão de orçamento mais robusto para ministérios da área —que
também é importante — mas da capacidade de integrar essa visão em todos os
setores.
“Quem causa o problema de emissões do
Brasil? São os atores no setor do Ministério da Agricultura. E no Ministério
das Minas e Energia. São esses ministérios que têm que ter programas e
investimentos para diminuir as emissões de seus setores”, afirma Astrini.
“O Ministério do Ambiente pode multar uma área que já foi desmatada, mas para
as ações de mitigação você precisa da ação de todos os agentes.”
[...]
“São os homens privilegiados, com
espaço, que falam com seus eleitores e formam opinião pública. Eles não cansam
de repetir que essa coisa de meio ambiente, de regra ambiental, é uma
besteira”, diz Astrini. “Mas aí as consequências chegam e a responsabilidade
é de quem?”
Fonte:
BBC News Brasil – Sábado, 04 de maio de 2024
– Internet: clique aqui (Acesso em: 04/05/2024).